Sê indistraível
Tempo não é dinheiro. Tempo é muito mais valioso do que dinheiro. Dinheiro nós recuperamos, mas o tempo não.
Muitas pessoas não gostam da ideia de terem o seu dia todo planeado. Não gostam de rotina, não querem restrições e preferem a liberdade de resolver as coisas à medida que vão surgindo.
E embora eu concorde que ter dias livres é fantástico, numas férias em que a única coisa que devemos fazer é relaxar, todas as férias têm um fim.
No mundo real, há trabalho para terminar, pessoas para conhecer e uma família para cuidar.
E foi precisamente este último que me fez perceber o quão importante é termos bons hábitos e processos em tudo o que fazemos.
Eu costumo dizer que sou obcecada por conhecimento. E há 4 anos, quando descobri que estava grávida, comecei a estudar tudo o que pude sobre recém nascidos, desenvolvimento infantil, etc.
E percebi o quão importante são as rotinas para o desenvolvimento das crianças. Isso porque, entre outras coisas boas, transmitem segurança e conforto.
São tranquilizadoras e estruturantes e ajudam as crianças a perceber o mundo, a sentir previsibilidade e controlo e a confiarem nos seus cuidadores e no mundo.
Foi então que decidi aplicar essa filosofia também às minhas equipas.
Trata os teus colaboradores como queres que os teus filhos sejam tratados no mundo do trabalho
Muitas das vezes, achamos que a nossa equipa não é produtiva, que tem de fazer mais horas, que não fazem o suficiente ou que têm de dar mais deles à empresa.
E a verdade é que somos nós quem tem de mudar a perspectiva e perceber o porquê de não serem produtivos - e ajudá-los a ser.
E é aqui que reside muitas das vezes o problema: se nem tu és produtivo, nem és capaz de defender o teu tempo, como raios queres que eles consigam?
A verdade é que todos temos um melhor desempenho sob restrições. Os horários semanais dão-nos uma estrutura, enquanto o “nada” nos atormenta com a tirania da escolha.
Qualquer artista já passou pelo desafio de olhar para uma tela em branco. E qualquer autor pelo desafio de encarar uma página em branco.
Da mesma forma, um dia não programado não é liberdade.
Pelo contrário, é uma receita para o arrependimento.
Quando não planeamos tempo no nosso dia para fazer o que realmente importa, a nossa vida perde rapidamente o equilíbrio.
Quer lutemos contra as distracções no trabalho ou com a família e os amigos (ou os nossos filhos na escola), temos de arranjar tempo para as coisas importantes da vida.
Se não planearmos aquilo a que vamos dedicar a nossa atenção, arriscamo-nos a que o nosso tempo seja roubado por distracções.
E aprender a planear o nosso tempo é uma competência essencial a todos.
Disciplina é liberdade.
As nossas empresas e equipas são o reflexo de quem nós somos
A Isabel, uma empreendedora determinada, teve sempre uma paixão por liderar e inovar no mundo dos negócios.
Fundou a sua própria agência de marketing digital há alguns anos e, à medida que a empresa crescia, ela começou a enfrentar novos desafios que afetavam não apenas a sua produtividade, mas também o seu bem-estar pessoal.
A Isabel costumava gerir o tempo de forma eficiente, equilibrando as exigências do negócio com o seu tempo pessoal. Ela orgulhava-se de manter relações sólidas com os seus clientes e de liderar a sua equipa com confiança. No entanto, à medida que a empresa expandia, a pressão para alcançar resultados maiores aumentou.
O calendário da Isabel começou a parecer-se cada vez mais com um jogo de tetris e o email um poço sem fim de coisas por responder. As distrações eram tantas que ela já não conseguia focar-se nas suas prioridades. As tarefas importantes, como gerir a área financeira da empresa e fechar mais negócios, foram substituídas por uma rotina caótica.
A busca incessante por produtividade começou a afetar a Isabel de forma negativa. A sua disposição amigável transformou-se em frustração constante.
Ela sentia-se cada vez mais sobrecarregada e miserável. Além disso, Isabel começou a negligenciar pessoas importantes na sua vida, como a família e os amigos, o que só aumentou o seu stress.
E mais: quando ela estava desorganizada e stressada, isso refletia-se na sua equipa e nos resultados da empresa.
Começa pelo que é realmente importante para ti
Os 3 principais domínios da vida onde investimos o nosso tempo são: Eu, Relações e Trabalho (por esta ordem).
Estes três domínios descrevem onde e com quem experienciamos a vida.
Mais importante ainda: dão-nos algo que podemos utilizar para planear o futuro.
Ajudam-nos a assumir o controlo para que a forma como passamos o nosso tempo se torne um reflexo autêntico da pessoa que queremos ser.
O problema da Isabel era a falta de um horário estruturado de acordo com os estes três domínios. Os seus problemas eram agravados pela crença auto-limitadora de que o problema era ela, e não a sua gestão do tempo. Estas foram algumas das frases que me disse um dia enquanto almoçávamos:
“Não estou num nível em que consiga ser tão organizada”.
“Eles só têm 15h registadas no Clickup”.
“Eu consigo encontrar tudo nestas 300 janelas abertas no computador”.
Não havia nada de errado com a Isabel nem com a sua equipa. Eles não eram “desorganizados”, “preguiçosos” ou “distraídos”.
A Isabel só não tinha as ferramentas certas para a nova fase da sua vida. E a equipa, não tinha a direção e foco necessário da Isabel para levar o operacional da empresa a bom porto.
Para a Isabel, funcionou bem nos seus primeiros anos de trabalho saltar de cliente em cliente sem um horário. Mas agora que queria sair do operacional e assumir a sua posição superior na hierarquia da empresa, precisava de uma melhor forma de gerir o seu dia.
Teria de conceber um horário que lhe permitisse manter a sincronia com os intervenientes nos três domínios da sua vida.
Cria um horário semanal, orçamentando o teu tempo como se fosse dinheiro.
Todos nós queremos ser o herói dos filmes que passam na nossa cabeça.
Pensamos que podemos fazer tudo e passamos cheques com o nosso tempo, esquecendo que em breve estes serão descontados.
Mas, ao contrário de uma conta bancária com um saldo finito, temos dificuldade em controlar o tempo que nos resta para dar.
E quando cometemos o grave erro de atribuir demasiado do nosso tempo, os intervenientes nas nossas vidas sofrem.
É por isso que, da mesma forma que orçamentamos os nossos serviços, precisamos de orçamentar o nosso tempo.
A Isabel teve de desaprender a falsa narrativa que estava a passar na sua cabeça: que falta de foco e de esforço da sua equipa (por oposição à falta de um rotinas e processos da empresa) eram as causas da falta de resultados da empresa.
Para ajudar a Isabel, pedi-lhe que começasse por me mostrar a sua agenda diária.
Ela abriu a aplicação do calendário no seu telemóvel e deixou-me percorrer a sua semana.
Vi que a maior parte dos dias estavam preenchidos com reuniões. Outros, estavam abertos, com alguns compromissos dispersos.
A olhar para a agenda dela, ficou claro para mim onde é que ela estava a deixar o seu tempo livre.
Tinha o dia cheio de tarefas que outras pessoas queriam que ela fizesse, quando queriam que ela as fizesse.
Por exemplo, se um colaborador quisesse “tirar dúvidas”, ela dava-lhe acesso à sua agenda. E claro que ele seleccionava uma hora que lhe fosse conveniente.
Da mesma forma, a Isabel orgulhava-se de ter uma relação muito próxima com os seus clientes. Qualquer cliente que tivesse a mais pequena pergunta podia interrompê-la a qualquer altura (mesmo à noite e aos fins-de-semana) através de mensagem no WhatsApp, Slack, Email ou telefone.
No início da carreira de Isabel, estar sempre disponível foi uma óptima estratégia de crescimento.
Nessa altura, tinha poucos clientes e a sua única responsabilidade era o operacional da empresa. Todo o seu dia era dedicado a fazer bem apenas uma coisa.
Mas à medida que os anos passavam, a Isabel tinha cada vez mais clientes e agora também colaboradores para gerir.
E os seus métodos antigos deixaram de funcionar.
Além disso, as suas aspirações tinham mudado; queria assumir a gestão da empresa e liderar a equipa.
Mas a sua forma de trabalhar não tinha mudado. Foi assim que a Isabel se viu numa situação difícil: Não estava a evoluir para corresponder às condições de mudança dos seus interesses e exigências profissionais. Se quisesse progredir na carreira, teria de atualizar as suas competências e começar a gerir a sua agenda em vez de deixar que ela a gerisse.
Depois de decidir quanto tempo iria dedicar a cada domínio da sua vida, aconselhei a Isabel a agendar tempo no calendário para os 3 domínios da vida.
Pedi-lhe que preenche-se uma semana típica e não deixasse espaços abertos durante as horas em que estivesse acordada. Ela estava a reservar um lugar para tudo o que era importante para ela em intervalos de tempo devidamente atribuídos no seu calendário. Agora, a Isabel podia assegurar-se de que as coisas mais vitais nunca passavam despercebidas.
Ela abriu a sua agenda e começou por:
Planear o seu tempo para si.
Aqui planeou o tempo que precisa para dormir, fazer a higiene básica, exercício físico e tudo o mais que considerasse essencial para o seu bem-estar. Para a Isabel, isso também incluía tempo para ver séries de televisão e ler.
Depois, preencheu o seu dia com a sua prioridade seguinte: as relações.
Reservou tempo na agenda para passar tempo com o marido e os filhos. Os jantares à noite em família e os fins-de-semana eram fundamentais para ela.
Também arranjou um bocadinho de tempo todas semanas para os amigos e para os pais.
Depois, arranjou tempo para o trabalho.
Ela subdividiu o seu dia de trabalho nas tarefas mais importantes que queria ter a certeza de fazer diariamente.
Reservou tempo para o trabalho em foco em primeiro lugar. Pela sua experiência, sabia que a criação de propostas a novos clientes podia ser feita mais rapidamente e melhor se não fizesse mais nada para além dessa tarefa, sem interrupções. Qualquer distração atrasava-a e tornava mais difícil voltar a personalizar a proposta.
Depois, reservou uma grande parte do tempo para telefonemas e reuniões com clientes e, ao fim da tarde, para tratar dos e-mails e das notificações na ferramenta de gestão de projeto e chats.
Programar o seu tempo desta forma não era algo natural para Isabel. Mas ela aguentou o desconforto de aprender uma nova habilidade e adorou o resultado. Agora, tinha uma visão de toda a sua semana ao minuto que respeitava principais domínios da sua vida e reduzia as distracções.
E isso acabou por lhe dar mais tempo para fazer o que ela realmente queria.
Este era um esboço que ela sabia não ser definitivo. No entanto, tinha agora um ativo valioso que a impedia de voltar aos velhos hábitos.
Sincroniza com terceiros
Ao agendar todo o seu tempo semanal, a Isabel tinha agora um plano claro que podia discutir com as pessoas que mais exigiam do seu tempo:
Primeiro, reuniu-se com o marido para rever o plano semanal. Juntos, fizeram alguns ajustes e arranjaram tempo semanal para reverem o calendário e suas prioridades, depois do almoço, aos sábados.
Depois, debateu o seu horário com a equipa. Para sua surpresa, quando a Isabel se sentou com eles, descobriu que eles a apoiavam imenso na sua intenção de ter um dia mais planeado. “Eles sabiam que eu estava a trabalhar muito”, contou-me. “Quando lhes propus um horário semanal, pareceram-me aliviados. Disseram-me que era útil saber quando podiam contactar-me ou enviar-me uma mensagem, em vez de terem de adivinhar se eu estava com a minha família ou um cliente.”
Quando se sentou com a sócia, fez uma descoberta surpreendente. Muitos dos compromissos que a preocupavam e que ela acreditava serem importantes para ela, afinal não o eram. Ela preferia que ela passasse o tempo para melhorar o cashflow da empresa. Elas também concordaram que ela não precisava de participar em tantas reuniões nem de ser mentora de tantos colaboradores. Aliás, o facto de ter menos reuniões e menos colaboradores sobre a sua alçada, não iria prejudicar os resultados da empresa. Ela podia continuar no caminho certo para alcançar os objetivos, desde que dedicasse tempo à sua tarefa mais importante: a gestão financeira da empresa! Para se manterem em sintonia ao longo do tempo, elas decidiram encontrar-se durante quinze minutos todas as segundas-feiras de manhã às 9 horas. O tempo que passavam a ver a agenda dela para a semana seguinte dava-lhes paz de espírito. Permitia-lhes ter a certeza de que a Isabel estava a gastar bem o seu tempo e, se não estivesse, permitia-lhes voltar à agenda e fazer os ajustes necessários.
No final do nosso almoço, a Isabel apercebeu-se de outra coisa. Agora, além de ter mais controlo sobre o seu dia, podia também reduzir o tempo que passava ligada ao telemóvel à noite a rever tudo o que tinha acontecido durante o dia.
Desde que mantivesse o rumo e fizesse as suas revisões semanais do calendário com todos, conseguiria atingir os seus maiores objectivos.
No fim, pedi ainda à Isabel para marcar uma sincronização semanal de 15 minutos com ela própria. Disse-lhe que era fundamental abrir a agenda, rever e ajustar.
O objetivo da utilização de uma agenda não é comprometermo-nos com um plano perfeitamente rigoroso, mas sim:
Estabelecer uma rotina que melhore o nosso horário ao longo do tempo.
Ter um modelo de horário semanal que sirva como padrão para voltarmos a ele e fazer pequenas revisões semana após semana.
Permitir-nos compreender melhor o tempo que as tarefas demoram e garantir que arranjamos tempo para acções que reflectem 3 domínios da nossa vida.
Também tu podes assumir o controlo da tua vida.
Lembra-te: Tempo não é dinheiro. Tempo é muito mais valioso do que dinheiro. Dinheiro nós recuperamos, mas o tempo não.
Mantém um horário coerente com os três domínios da tua vida. Cria um modelo e revisita-o regularmente sozinho e com os intervenientes na tua vida. Se o fizeres, vais encontrar o tempo para fazer o que tencionas fazer, em vez de te distraíres.
-Helena
Ps: E quanto à Isabel? Isabel é o meu segundo nome e tudo o que aqui te contei é uma variação da minha história e tantos outros empreendedores e gestores de equipa com quem me tenho cruzado.